Em Fevereiro deste ano meu marido e eu fomos a um casamento, o primeiro após a pandemia. Foi um casamento de verdade, com cerimônia, padrinhos, daminhas, florista, pajem. Como deve ser.
Éramos convidados do noivo. Ao ver a noiva subir ao altar, braços dados com o pai, tivemos uma breve sensação de esperança, euforia, como se o mundo estivesse novamente nos eixos. Não fosse pelas máscaras cobrindo o rosto de praticamente todos os convidados, havia um sentimento de normalidade. Ou quase isso.
Observei a noiva em seu lento caminhar, lembrando-me de quando eu mesma percorri aquele trajeto em direção ao altar, oito anos antes. Seu sorriso sereno era traído pelos ombros tensos, o olhar assustado, a apreensão e o nervosismo estampados em gestos microscópicos, porém universais. Fiquei imaginando seus pensamentos. Parecia se perguntar quem são estas pessoas, e o que fazem tão próximas umas às outras. Imagino que este fosse seu pensamento pois eram também os meus, tentando desesperadamente alegrar-me por um retorno a uma realidade que parece não mais existir.
Entre os convidados havia pessoas com quem convivi durante muitos anos, sete anos para ser mais precisa. Antigos colegas de trabalho cujo último contato havia ocorrido anos antes, em meu derradeiro dia de trabalho.
Eu estava ansiosa por este reencontro. Havia imaginado muitas vezes como seria. O que perguntariam, como eu responderia. Estariam curiosos em saber como estava a vida, a que eu me dedicava no momento, quais os planos para o futuro. Ensaiei as respostas repetidas vezes na minha cabeça, imaginei suas reações a elas e me preparei. Apenas parte disso aconteceu. Na maior parte do tempo, conversas breves, mornas e superficiais. Perguntas abertas de interesse simulado e respostas educadas. Um olhar que se desvia para a pista de dança ou outro ponto qualquer do salão, buscando um subterfúgio. Enfim, a triste realização do óbvio esperado. A convivência cria laços, a distância os desfaz.
Nos despedimos satisfeitos ao final da festa. Todos os protocolos foram seguidos, as tradições honradas. A pandemia não conseguiu destruir os rituais mais sagrados do código social.
No caminho de volta a casa, pensei em como o tempo transforma os relacionamentos em retratos. Entre corredores infinitos de memória, encontro instantâneos de reuniões profissionais tensas e almoços relaxados. Discussões acaloradas e risadas no final do expediente. Alegrias, dúvidas, aspirações, insatisfações, neste instante onde vida pessoal e vida profissional se fundem, tornando-se uma coisa só.
De repente, o fim. Um pedido de demissão, uma nova oportunidade e despedidas em forma de promessa. Vamos manter contato, marcar aquele happy hour, um churrasco no fim de semana, um almoço um dia desses. Um salto na linha do tempo e alguns anos se passaram. Uma fotografia de um encontro casual em um local público, preenchida por diálogos rasos e novas promessas vazias. Mais um salto no tempo, uma fotografia daquele colega no altar. O início de uma nova vida, um desejo sincero de felicidade. Promessas vazias renovadas com sucesso.
As fotografias de encontros logo se tornam apenas fotografias de redes sociais. Fotos da lua de mel, a revelação de uma gravidez, o nascimento do primeiro filho, apenas retratos do tempo.
O tempo transforma encontros casuais em danças ensaiadas, com perguntas previsíveis e respostas automáticas.
E assim os instantâneos da memória vão se apagando, como fotos impressas esquecidas dentro de um livro. Os detalhes desaparecem e se confundem, rostos e nomes fragmentados.
Anos de lembrança se comprimem em instantes cada vez menores, até quase deixarem de existir. Chega aquele derradeiro momento em que cruzamos com alguém na rua e pensamos: “essa pessoa me lembra alguém”. Damos de ombros e seguimos nosso caminho, apressados, para lugar nenhum.