Pular para o conteúdo

Escolhas (?)

Escolhas

Dizem que a vida é feita de escolhas. Ouvi dizer que todas as escolhas que fazemos, do momento em que acordamos à hora de dormir, terão algum tipo de impacto ou consequência na nossa vida. A que horas você acorda, o que come, a forma como define sua rotina, o que faz no tempo livre. São escolhas que poderão afetar nossa saúde, tempo, qualidade de vida e futuro. Dizem.

Isto só faz sentido dentro do pressuposto de que existem opções.

Comecei a trabalhar aos dezessete anos. Aos trinta e oito, tomei a decisão de parar tudo por um tempo, ter um período sabático para avaliar os próximos passos. Nenhuma parte deste processo foi simples. O principal e mais doloroso foi decidir abrir mão de um negócio que comecei do zero sem experiência, que vi crescer de forma lenta, mas constante, aprendi e me aprimorei, tinha visão de médio e longo prazo, objetivos a alcançar. Eu acreditava no negócio, me sentia confiante. Quando a pandemia chegou, foi assustador, mas consegui me manter em pé no primeiro ano.

Após os meses iniciais de medo e incertezas, as pessoas começaram a buscar ainda mais o serviço que eu oferecia. As perspectivas eram de crescimento, mas eu estava enlouquecendo no processo, por muitas razões que não caberiam aqui.

Com dor no coração, tomei a decisão de vender. Enfrentei o julgamento externo e o mais cruel de todos, o meu próprio. No dia em que entreguei as chaves e olhei pela última vez para a fachada do prédio, me permiti chorar pela primeira vez, durante todo o caminho até minha casa. Me senti uma fracassada.

Foram necessários alguns meses de adaptação a uma realidade nova para mim, a de mãe em tempo integral, algo que no passado eu não sonharia em fazer. Comecei a fazer terapia pela primeira vez na vida, mas quanto mais eu olhava para o meu passado mais eu tinha certeza de que o fracasso da minha vida profissional havia sido uma consequência das minhas decisões ruins.

Mergulhei no processo de autoconhecimento buscando respostas, e encontrei mais do que isso. Eu só aceitei meu passado quando entendi que nem tudo foi uma escolha. Por mais que os filósofos e gurus de Instagram digam ao contrário, não existe escolha quando não há opção.

Por exemplo, se você tem um carro e mora perto do trabalho, você tem as opções de dirigir, pedalar, caminhar ou pegar o transporte público. Pode escolher o que for mais saudável, agradável, conveniente, eco-friendly, etc. Por outro lado, se você ganha um salário-mínimo e mal tem dinheiro para comprar comida, muito menos um carro para ir ao trabalho, que além de tudo fica do outro lado da cidade, você só tem uma opção que é o transporte público. Não é uma decisão consciente baseada em critérios objetivos. É sua única opção.

Durante anos eu vivi no piloto automático da opção única, acreditando estar tomando decisões conscientes e razoáveis, mas não foi sempre o caso. Desde o início, grande parte das minhas escolhas foram moldadas e devidamente conduzidas pelas circunstâncias. Muito antes de conseguir meu primeiro emprego, a falta de opções me conduziu a uma profissão que me levou a anos de trabalho na indústria em um ambiente dominado por homens, onde eu precisava provar meu valor a cada minuto.

Trabalhei em algumas empresas, de ramos diferentes, mas sempre na área técnica. A experiência me levava a seguir sempre o mesmo caminho por falta de oportunidades. A pressa me levava a tomar decisões precipitadas. Mais de uma vez aceitei o primeiro trabalho que surgiu para não ficar desempregada. Esta é a realidade de uma imensa quantidade de pessoas que não pode esperar. Porque depende de si mesma, porque outros dependem delas também.

Somente depois de quase vinte anos, comecei a entender o que era aquela angústia que me consumia. Aquela sensação de ressentimento, de estar sempre buscando algo novo e encontrando mais do mesmo. Aceitei que eu detestava o que eu fazia. Não suportava mais responder dúvidas técnicas, testar equipamentos, lidar com problemas o tempo todo. Cansei, pedi demissão e abri meu negócio na área de educação, achando que seria a resposta, o caminho da autorrealização. Descobri em pouco tempo que era apenas mais uma decisão precipitada, feita pelo piloto-automático de uma mente que ainda não aceitava parar.

Foi então que por fim, após mais de duas décadas, tomei uma decisão consciente pela primeira vez. Analisei minhas opções, e resolvi olhar para trás e tentar primeiro entender como cheguei até aqui, para depois decidir o que fazer, pela primeira vez, sem pressa.

Tenho plena consciência de que sou muito afortunada por ter esta opção agora. A maioria das pessoas não tem esta possibilidade, pois ainda vivem um dia de cada vez, sobrevivendo sem pensar muito, sem esmiuçar talentos e aptidões, pois o que interessa é o salário na conta no final do mês.

Eu ainda não cheguei ao final da minha jornada, mas tenho o privilégio de poder esperar até que novas opções surjam em meu caminho, e decidir se quero aceitá-las ou não. Posso esperar um pouco mais, sem me sentir pressionada a fazer uma escolha, pois esta, muitas vezes, é uma ilusão.